Acanthamoeba keratitis in 194 patients: risk factors for bad outcomes and severe inflammatory complications
Edição: 02/2018
Comentário por: Dra. Andreia Rosa, do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra/Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, a um artigo sobre queratite a Acanthamoeba, publicado na revista British Journal of Ophthalmology em Janeiro de 2018.
Abstract
Background/aims: To determine demographic and clinical features of patients with Acanthamoeba keratitis (AK) that are independent risk factors both for bad outcomes and for severe inflammatory complications (SIC).
Methods: A retrospective audit of medical records of AK cases at Moorfields Eye Hospital from July 2000 to April 2012, including 12 earlier surgical cases. Cases with a bad outcome were defined as those having one or more of the following: corneal perforation, keratoplasty, other surgery (except biopsy), duration of antiamoebic therapy (AAT) ≥10.5 months (the 75th percentile of the whole cohort) and final visual acuity ≤20/80. SICs were defined as having scleritis and/or a stromal ring infiltrate. Multivariable analysis was used to identify independent risk factors for both bad outcomes and SICs.
Results: Records of 194 eyes (194 patients) were included, having bad outcomes in 93 (48%). Bad outcomes were associated with the presence of SIC, aged >34 years, corticosteroids used before giving AAT and symptom duration >37 days before AAT. The development of SIC was independently associated with aged >34 years, corticosteroids used before giving AAT and herpes simplex virus (HSV) keratitis treatment before AAT.
Conclusions: The prompt diagnosis of AK, avoidance of a misdiagnosis of HSV keratitis and corticosteroid use before the exclusion of AK as a potential cause of keratitis are essential to the provision of a good outcome for patients and for the avoidance of SIC. Older age is an unmodifiable risk factor that may reflect differences in the immune response to AK in this patient subset.
Comentário
Este é um artigo muito importante por analisar os fatores associados a um pior prognóstico em doentes com queratite por acantamiba. Sendo a queratite por acantamiba relativamente rara, é uma infeção grave, que afeta sobretudo portadores de lentes de contacto em países desenvolvidos. É uma infeção associada a grande morbilidade, não só a nível ocular, mas também com repercussões a nível familiar e profissional nos doentes por ela afetados.
A acantamiba é um protozoário que assume 2 formas, o trofozoíto (forma ativa) o os quistos, formas inativas. A infeção da córnea por acantamiba desencadeia uma forte reação imunitária, que se associa a complicações inflamatórias graves, como sejam a esclerite e os infiltrados estromais em anel, ambos extremamente dolorosos. É sabido que o tratamento específico precoce é fundamental para limitar a morbilidade da doença, mas não se sabia que fatores determinavam que alguns doentes tivessem formas mais graves da doença, com piores resultados finais. Desta forma, os autores efetuaram um estudo retrospetivo para identificar quais os parâmetros associados a um mau resultado final e, de forma independente, quais se associavam a complicações inflamatórias graves. O estudo englobou doentes observados entre janeiro de 1991 e abril de 2012, o que mostra a importância da organização dos dados e da criação de bases de dados sólidas, já que só assim é possível ter acesso à informação detalhada de 194 olhos ao longo de 21 anos, como foi o caso deste estudo.
Os casos incluídos tinham culturas positivas para acantamiba ou confirmação histopatológica de trofozoítos ou quistos. Foram também incluídos casos com quistos à microscopia confocal, ou com infiltrados corneanos perineurais ou com curso clínico típico, desde que tivessem também resposta favorável à terapêutica contra a amiba. É de ressalvar que atualmente a PCR é o exame complementar mais útil para o diagnóstico de queratite por acantamiba, pela sua rapidez e facilidade de execução, mas naturalmente não estava disponível neste estudo, que incluiu doentes apenas até 2012.
Os autores definem um mau resultado final como tendo uma ou mais das seguintes características: perfuração da córnea, queratoplastia, necessidade de outra cirurgia ocular, duração do tratamento contra a acantamiba superior a 10,5 meses e acuidade visual corrigida igual ou pior que 20/80. O estadio da queratite foi dividido em 1- apenas epiteliopatia; 2- presença de um ou mais defeitos epiteliais, infiltrados perineurais ou estromais; 3- infiltrado estromal em anel.
A análise estatística baseou-se em modelos de regressão multivariada, até serem construídos 3 modelos finais.
Em termos de resultados, o pior prognóstico estava associado à idade (acima dos 34 anos), maior duração dos sintomas, maior número de consultas antes do diagnóstico, tratamento inicial para queratite por vírus herpes simplex (independentemente do uso de corticóides tópicos), uso de corticóides tópicos, estadios mais avançados à apresentação, utilização de imunossupressores sistémicos, desenvolvimento de esclerite e aumento da pressão intra-ocular. Curiosamente, não houve qualquer relação com o tratamento prévio com antibióticos nem com o tipo de fármaco usado contra a acantamiba (biguanida polihexametileno, diamidina, clorohexidina ou associações destes fármacos).
O aparecimento de complicações inflamatórias graves estava associado aos mesmos fatores que se associavam a um mau prognóstico, sendo de realçar que o tratamento prévio com aciclovir se associava a complicações inflamatórias graves independentemente de o resultado final ser mau ou não.
É expectável que um diagnóstico tardio e o uso de corticóides se associem a um mau resultado final, já que ambos predispõem para um aumento do número e distribuição dos quistos por acantamiba na córnea. A associação entre o fator idade e um mau resultado final pode ser explicada com base em diferenças na resposta imunitária. Em paralelo, a idade está também associada à presença de complicações inflamatórias graves (que por si só estão associadas a um mau resultado final). A explicação proposta pelos autores para esta associação é muito interessante, ao proporem que a longevidade favorece as oportunidades de contacto com o parasita, sensibilizando o sistema imunitário e levando-o a desencadear uma resposta inflamatória mais vigorosa. De facto, a acantamiba foi já isolada em 7% dos estojos de portadores de lentes de contacto assintomáticos. Além disso, 50 a 100% de indivíduos saudáveis têm anticorpos contra a acantamiba, provavelmente através da ingestão e consequente estimulação do sistema imunitário das mucosas.
A associação entre a toma de aciclovir e um mau resultado final é particularmente relevante, já que no curso inicial da doença é frequente a confusão diagnóstica com o herpes simplex. O aciclovir tem efeitos imunomoduladores, reduzindo a reatividade dos linfócitos CD4 aos antigénios de citomegalovírus, para além de reduzir a capacidade proliferativa das células mononucleares do sangue periférico. Estes dois efeitos combinados podem explicar o pior prognóstico dos doentes com acantamiba tratados inicialmente com aciclovir, bem como a sua maior predisposição para desenvolver complicações inflamatórias graves.
O presente estudo é robusto em termos de tempo de seguimento dos doentes, número de casos incluídos e abordagem estatística inovadora. Como seria de esperar, quando os métodos estão bem alicerçados as conclusões são válidas e com reflexo na prática clínica. Assim, os autores concluem o artigo com a identificação dos 3 fatores de risco modificáveis que estão associados a um pior prognóstico em doentes com queratite por acantamiba. São eles: o diagnóstico tardio, a confusão diagnóstica com herpes simplex e o uso de corticóides numa fase inicial da doença. A modificação destes fatores de risco é fundamental para diminuir a morbilidade e o peso que estas infeções acarretam, tanto para os doentes como para os serviços de saúde.
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